João Camilo Torres
Alguém aqui se lembra de como tudo começou?
Talvez alguns livros comecem dizendo que tudo começou em uma cidade remota no oriente, mas eles estarão contando apenas parte da história. Essa começa muito antes, como todas as histórias, e vai continuar mesmo depois do ponto final no melhor estilo Riverrun.
Alguns autores tentam explicar como as distopias acontecem, mas suas origens ficam reservadas aos historiadores para que tenham o que discordar nos seus encontros. Funciona melhor se acontecer de repente e do nada. Tipo assim: “e as ruas ficaram vazias, as janelas dos prédios e as casas fechadas e não havia ninguém para ver os dedos róseos da Aurora riscando uma linha no horizonte.” Sim, aquela mesma Aurora de róseos dedos que cedo desponta a que aludiu – ou que viu? – o cego Homero.
Vocês se lembram da rua ocupada pelas livrarias, pelos livros e pelos leitores? Aconteceu em BH não tem nem um ano. Tantas pessoas juntas, sem medo nenhum, durante o Festival Livro na Rua. Poderia acontecer todos os dias, pois a cultura mostra sua força sendo cotidiana. Não é que deu errado, deu foi muito certo. Novas livrarias surgiram, verdade! Não faz nem um mês que a livraria Páginas foi aberta no Padre Eustáquio. Conceição Evaristo apareceu em uma novela da Globo. O livro foi até debatido durante a campanha eleitoral. Mais do que isso, ele foi atacado como se pudesse ganhar votos e decidir a eleição. Eles sabem que o livro pode mesmo, pode muito.
O mundo editorial resiste como uma solução para que o Brasil não perpetue esse ciclo de exclusão e subserviência que extermina nosso potencial. Ler é um ato de resistência política, não há outra forma de pensar se queremos mudar a sociedade.
Agora as ruas estão vazias. Elas devem continuar vazias até que voltemos a ocupá-las, quando a Ciência, que está nos livros, disser que podemos. A história continua. As mesmas livrarias continuam nos mesmos endereços, prontas para atender os leitores. Mas se o leitor não pode ir até a livraria, a livraria pode ir até o leitor. Não é a mesma experiência, mas é hora de certa fé poética. Imagine o livreiro na sua sala de jantar, as estantes nos quartos, o fogão e a geladeira como as gôndolas com os livros e se sua casa for muito pequenininha, não tem problema. É dessas livrarias que estamos falando.
Não é hora de deixar de lado nossas livrarias, temos de cuidar delas também neste momento. Leve a livraria para casa. Entre nos sites e passeie pelos livros. É diferente? Você não pode deslizar os dedos pela lombada dos livros? Não pode sentir a aspereza das páginas enquanto folheia aleatoriamente um livro de poemas até dar de cara com um verso surpresa (todo bom verso é surpresa), é disso que sente falta? Não pode ouvir a voz do livreiro explicando como aquele livro foi criado para você ou simplesmente encontrar com alguém folheando aquele mesmo livro com um olhar tão bobo quanto o seu? Tudo bem, mas agora você pode organizar estantes imaginárias ou verdadeiras, fazer vídeos para postar nas redes sociais, ler um verso e desafiar alguém para devolver outro verso ou ficar na janela, ou no balcão caso tenha um, declamando algo sobre o nome das Rosas.
Não existe isolamento para a literatura. Ler nunca foi um ato solitário, mas um ato que entrelaça gregos de toga, generais romanos, filósofos de bigode fino que escondem as mãos nas mangas das roupas, doutores árabes, humanistas italianos, panfletistas, cortesãs iluministas, bibliotecárias e as poetas de Belo Horizonte. Ler é uma expressão da nossa liberdade.
Fique em casa. Leve a livraria para casa. Compre os livros. E leia. Nós vamos precisar de vocês quando esta história continuar.
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João Camilo de Oliveira Torres é podcaster, ensaísta, escritor de contos, blogueiro da Quixote + Do e roteirista da revista Sci-Fic Punk Project.