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O Burro, o Cachorro e Eu

Branca Maria de Paula    

                    

           Sob o sol de fevereiro, o esqueleto do burro, malvestido no couro cor de fumaça, avança na contramão.

            Cruzo com ele na esquina e acho por bem lhe dar passagem: seguia desolado e só.

            Do joelho mina um resto de sangue ralo e outro tanto se coagula em fio escuro, que desce pela pata em frangalhos. Mas o bicho, ignorante da dor, não manca. Apenas arrasta uma tristeza que machuca. Presumo que desiludido com o mundo, tornara-se alheio às paisagens. Não via nada, o burro.

            Do outro lado da avenida trota um vira-lata, na contramão. Às vezes para, assunta o ar e fareja o chão, ziguezagueando aqui e acolá, sem planos. Nem feio nem bonito, às vezes parece velho, às vezes, filhote. Lembra uma estampa de cão malhado: manchas negras sem lustro, manchas brancas onde se abanca a poeira. 

            Também ele não sabe que rumo tomar. Desce a avenida, somente isso, rabo entre pernas.

            Súbito, uma reviravolta inverte o cenário. 

            O burro para no meio da rua, pensa pensa e atravessa pro outro lado.

            No mesmíssimo instante, o cachorro também para, pensa pensa e atravessa pro outro lado. E tudo continua como antes, na contramão.

            Eu fico olhando feito besta, desolada e só.

 

Branca Maria de Paula na Quixote-Do:

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