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A cópula dos espelhos de Branca Maria de Paula

A cópula dos espelhos de Branca Maria de Paula (Quixote + Do), desde o título que recupera Borges, citado na epígrafe (“O espelho e a cópula são abomináveis, porque multiplicam os homens”) mergulha num trajeto labiríntico e abissal em que a escrita e a literatura têm sua natureza e seu modo de fazer interrogados e investigados ao longo de cada página.

Como o cubismo, abolindo as regras da pintura figurativa, veio dar nas várias e até então impensáveis possibilidades do abstracionismo e assim como todas as artes se questionaram explorando a metalinguagem, a vanguarda da literatura no século XX enveredou por um caminho semelhante, exibindo os andaimes de sua construção, propondo outro pacto com o leitor, desfazendo as ilusões narrativas. Autor e personagem perderam seus limites, juntamente com o tempo e o espaço ou a realidade e a representação. A literatura, desafiando o acomodamento do leitor, exibiu suas entranhas e sugeriu novos campos exploratórios, na busca de um contínuo estranhamento e valorizando, antes de tudo, a palavra.

Na trilha aberta por James Joyce, em Ulisses, Virginia Woolf em Orlando ou Lawrence Durrell no Quinteto de Avignon, o texto de Branca subverte expectativas e submete a trama à exploração de um amplo número de possibilidades.

Desde o início textos se apresentam fora da narrativa e são identificados com o rótulo de Rizoma. Deleuze e Guattari pensam a filosofia como rizoma. Consideram o conceito de Descartes da árvore-raiz como um pensamento inflexível. A raiz é a verdade que antecede a multiplicidade. O rizoma, com seus caules horizontais, apresenta um crescimento polimorfo, sem direção definida, sem centro, hierarquia ou ordem. É assim que a autora revela a natureza deste livro, ao qual vai dando uma manifestação fluida e que segue a premissa de Rosa Montero, presente na outra epígrafe e que descreve os fantasmas de um escritor. Ela se refere a personagens, detalhes ou situações que perseguem o escritor ao longo de todos os seus livros. O que nos faz pensar que a obra de um autor deve ser vista, à maneira de Borges, como partes de um único e complexo texto.

Branca de Paula não escreve apenas um romance crivado do espírito do tempo, fruto dos caminhos tomados pelo pensamento e a arte. Seu texto tem um trunfo poderoso: o exímio manejo das palavras.  Um exemplo revelador da consciência do autor onisciente presente por trás dos autores ficcionais apresenta-se de forma impecável: “Pode ser que Benjamin tenha usurpado a história original de Afonso, subvertendo-a em várias tramas desiguais: jogando livre, aventurou-se pelas sombras, levando seu criador a tornar-se refém de personagens a ele impostos no tabuleiro multidimensional; sua voz feminina, no começo submissa aos preceitos severos do autor, ameaça agora sobrepujar a fala alheia e sair vitoriosa”.

Com os capítulos se tornando módulos e a Crônica de um Tempo Incerto, o livro que se escreve dentro do outro, tornando-se a Crônica de um Personagem Incerto, A cópula dos espelhos se realiza sob uma grande perspectiva lúdica para o prazer do leitor que se deixa seduzir pelos reflexos simultâneos presentes no mesmo espelho.

Lino de Albergaria

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